Fala que eu te escuto

Aline Alvarenga
2 min readMay 23, 2021

Eu sempre tive apego por vozes. Timbres, especialmente. Acredito que muita coisa é transmitida pela voz e, apesar de eu ter uma preferência por ouvir músicas cantadas por vozes femininas, tenho a voz do meu pai como a minha preferida. Talvez seja pela autoridade e respeito, mas também pelo afeto e pelo amor que ela transmitia. Uma das minhas memórias preferidas era quando o meu pai cantarolava boleros pela casa, ou quando assobiava alguma melodia de uma música da infância, enquanto limpava o jardim. Não há um dia que não sinta saudade dessa voz, nenhum.

Por conta dessa peculiaridade, nutro com um enorme carinho áudios do WhatsApp. E sim, não vejo o menor problema em recebê-los e ouvi-los. Acho muito curioso quando ouço a voz de alguém pela primeira vez e tenho a impressão de que o timbre diz muito sobre a personalidade da pessoa — a forma como ela fala também. As pausas entre as frases, a escolha do vocabulário, a hesitação. Tenho amigos que fazem verdadeiros monólogos-audiobooks enquanto cozinham e falo isso, porque consigo escutar o barulho da frigideira e do microondas ao fundo. Outra amiga manda áudios enquanto prepara o almoço do filho e dá para perceber no tom da sua voz que ela quer compartilhar a sua solidão materna com alguém; quer ser ouvida. (Meu ombro estará sempre à disposição, amiga. Sempre). Outra amiga (mega ocupada) manda áudios entre uma reunião e outra e sempre quando recebe os meus, diz: “Eu amo os seus áudios! Você sempre me faz sorrir, sabia?” (Ela sabe que sempre me faz sorrir também).

Com a chegada da covid e por conta das medidas sanitárias restritivas, nos afastamos uns dos outros. Por conta disso, acredito que os áudios tenham se tornado um afago; foi uma forma de estarmos próximos, mesmo que (fisicamente) distantes. Curtos ou longos; recheados de desabafos, risos e choros, são os abraços nessa era pandêmica. E depois de mais de um ano de pandemia, chego à conclusão de que tem gente que tem uma habilidade incrível de sorrir com a voz. Digo mais: o afeto sendo transmitido é quase palpável. Confesso que, às vezes, quando os dias estão difíceis, eu me pego ouvindo áudios antigos, na esperança de me reconectar à sensação que eles me fizeram sentir quando apertei o play pela primeira vez. E, já que as máscaras nos impedem de distribuir sorrisos com os lábios, que possamos distribuí-los com a voz. É o meu desejo.

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