Aline Alvarenga
3 min readOct 31, 2020

Quantas versões você tem?

Tenho andando um bocado reflexiva ultimamente. A pandemia nos impôs uma série de desafios, mas também nos trouxe um bem precioso: o tempo. Digo isso no topo de todos os meus privilégios e sei que nem todo mundo pôde usar esse período tão caótico para pensar e divagar sobre a vida. Estou ciente disso. Para piorar — ou melhorar — estou de volta à terapia. Uma vez por semana eu sento e exponho todas essas reflexões pandêmicas e meu terapeuta que lute.

Percepção sobre a vida (e sobre os outros) é algo recorrente nas conversas com o meu terapeuta e na última sessão, contei uma história recente: durante uma conversa com uma amiga muito querida, falei que sou uma pessoa tímida. E, para a minha surpresa, ela respondeu: “Você? Tímida?! Rimos as duas.

E sim, eu me considero uma pessoa tímida. Sou mais reservada que tímida, mas sim, tenho uma grande dificuldade em me colocar em certas situações. Às vezes eu já tenho um roteiro na minha cabeça e quando as coisas não acontecem como eu imaginei, é um horror; um desastre total. Mas, eu também sou extremamente comunicativa; gosto de conhecer gente nova e fazer novas amizades — talvez essa tenha sido a minha maior descoberta nessa pandemia. (Talvez eu já soubesse disso, é verdade).

“Prefiro bicho do que gente” é uma frase famosa que anda por aí, mas tenho as minhas ressalvas. Eu sou fascinada por gente e acho que somos potência e um mar de possibilidades. Pronto, eu gosto dos dois: de bicho e de gente. E pasmem: sou veterinária! Sim, nós humanos somos cheios de contradições, é verdade.

Essa minha amiga é uma amiga nova. Eu não me recordo ao certo quando nos conhecemos, mas essa amizade é recente — uma amizade pandêmica. Nos conhecemos naquela caatinga virtual chamada Twitter e temos alguns amigos em comum. Desde o início, a nossa conexão foi quase instantânea e temos nutrido uma relação muito verdadeira — ela é do tipo de pessoa que eu queria ter sempre por perto e abro um sorriso quando recebo uma mensagem dela. (Sim, essas pessoas existem, ufa!). O fato é: quantas versões a gente tem? Eu tenho certeza que os meus amigos de infância concordariam que sou uma pessoa tímida. Mas, podemos ser outras coisas, não podemos? Quem define quem somos? Sim, eu tenho várias questões sobre esse tema.

Depois que a sessão terminou, eu fiquei pensando com os meus botões e desconfio de algumas coisas: acho que tendemos a acreditar no que as pessoas falam de nós — é mais fácil colocar as pessoas em caixinhas. Mais: é mais fácil entender os outros dessa maneira. Quando já sabemos que “ela é a tímida” ou “ele é o inteligente”, já sabemos o que esperar deles. Tenho a impressão de que nosso cérebro está sempre buscando a rota mais rápida para as coisas. No final das contas, nós queremos previsibilidade e certeza. Nessa era pandêmica, isso me parece um tanto quanto ingênuo. A verdade é que estamos constantemente passando por mudanças ao longo da vida.

Nos dias atuais, estamos expostos a um turbilhão de informação diariamente e toda essa informação vai impactar o nosso jeito de pensar, isso é natural. E, consequentemente, vai também impactar as nossas ações — pro melhor, espero eu. O que estou tentando dizer é que o processo de aprendizagem é constante e diário — a desconstrução também. (Como uma pessoa otimista que sou, sempre acho que estamos tentando ser a melhor versão de nós mesmos). Então, quando a menina tímida sobre num palco e canta, ou quando aquele cara marombeiro lê um poema de Drummond de cor, a surpresa é geral. Eu entendo, porque também fico surpresa. Mas, acho incrível pensar que podemos ter várias versões de nós mesmos e que podemos surpreender — sempre. Por isso, a questão que deixo é a seguinte: quantas versões você tem?