Recomeço

Aline Alvarenga
3 min readNov 9, 2023

Começou aqui, nesta foto, há três anos. À época eu estava morando fora e passando por um momento muito estressante: o fim do doutorado. Lembro que logo após o envio do primeiro artigo da tese, a pandemia chegou a Portugal e eu não tive outra alternativa senão sentar e escrever — ou pelo menos tentar. E parecia um momento muito “oportuno” para fazê-lo, uma vez que estávamos todos trancafiados dentro das nossas casas. Como escrever com o mundo inteiro ruindo lá fora? Olimpíada cancelada, Disney fechada e Paris sem nenhum turista. Como? Muitas vezes eu não consegui. Me vi paralisada em frente ao notebook, vendo a barra do Word piscar sem parar. Num dia eu contei e ela piscou 25 vezes antes que eu pudesse escrever uma palavra.

Diante de todo esse caos, tive que parar, respirar e procurar formas para desanuviar meus pensamentos. Foi neste momento que retornei à cozinha, esse lugar tão generoso que sempre me acolheu com muito afeto. Coincidentemente, reportagens mostravam que as pessoas tinham descoberto a arte de fazer pão e eu, que sempre fui fã do glúten, pensei: essa é a hora. Dobrei as mangas e fui à luta. Ou melhor, ao supermercado, mas pasmem, as prateleiras dos supermercados estavam vazias (!!). Era muita gente fazendo pão ao mesmo tempo. Mas, passado esse momento, consegui comprar farinha e fui à procura de receitas, afinal de contas eu não queria fazer um pão “normal”, o cool era fazer pão de fermentação natural, porque desgraça pouca é bobagem, não é mesmo? E, convenhamos, o fermento natural é um trabalho à parte, e que trabalho, Deus. Depois de alimentar o fermento natural com farinha, água e paciência por, aproximadamente, 7 dias, julguei que era a hora de iniciar a receita: farinha, água, fermento natural e sal. Nada além disso. Misturei tudo até ficar uma massa homogênea e segui a receita à risca. No dia seguinte, logo pela manhã, liguei o forno, tirei a massa da geladeira e coloquei para assar numa panela de alumínio. Passado o tempo estipulado pela receita, retirei a panela do forno e fiquei embasbacada com o resultado final: TINHA DADO CERTO!

Hoje, três anos depois do primeiro pão, muita coisa mudou: voltei para o Brasil, defendi o doutorado e posso dizer que o meu trabalho atual é fazer pão. Não foi fácil tomar essa decisão, mas eu precisava desse tempo. A vida acadêmica estava me fazendo muito mal e eu estava triste. Faltava muito pouco para um burnout, ou eu simplesmente cheguei nesse momento, mas não consegui admitir. Tem sido uma experiência muito reveladora trabalhar com comida e tem algo muito simples e, ao mesmo tempo, muito bonito em alimentar alguém. E as pessoas, nossa, as pessoas têm sido extremamente generosas, seja rasgando elogios ou até mesmo fazendo críticas para o trabalho melhorar. Há um trabalho imenso pela frente, é claro. Mas sigo firme na estrada.

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